Artigo por Dr. Daniel S. Morel e publicado na Veja Saúde em 16.03.2024
No final de 2019, os noticiários internacionais traziam informações que muitos não prestavam atenção: um surto de uma doença estranha que se manifestava na forma de uma pneumonia diferente e que levava pessoas a óbito. Víamos imagens de pessoas caindo no chão nas ruas, porém, pelo fato destas cenas ocorrerem na China, ninguém deu valor.
As cenas que antes pareciam de uma produção apocalíptica de Hollywood, rapidamente passaram a deixar autoridades em alerta, uma vez que o vírus, de uma família específica chamada coronavírus, passou a tornar presente em outros países e, assim, pessoas começaram a ficar gravemente doentes e serem hospitalizadas, com médicos não sabendo como melhor conduzir a doença.
Em março de 2020, aconteceu o que muitos jamais acharam que iriam vivenciar ao longo de suas vidas – a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou a situação uma pandemia e os governos nos mais diversos países passaram a seguir a recomendação de isolamento social, o chamado “lockdown”.
De um momento a outro, o mundo literalmente parou. Empresas e serviços deixaram de funcionar – pessoas pararam de trabalhar para ficar em casa com os seus familiares com o objetivo de evitar com que este vírus, naquele momento mortal, deixasse de se propagar.
Porém, nenhum setor estava preparado para esta situação. Afinal, era algo inimaginável e que somente acontecia nas telas de TV ou cinema. Diversos setores tiveram que buscar adaptações para que a população pudesse ter condições de enfrentar um período que não se sabia quanto iria durar.
O principal setor que sofreu um imenso impacto foi a saúde. O colapso foi inevitável e temos consequências até hoje. Os hospitais logo ficaram lotados de pessoas muito doentes, com as equipes sobrecarregadas e sem saber como melhor tratar. Os profissionais de saúde foram afastados de suas casas para não se tornarem vetores de transmissão da desconhecida doença. Segundo levantamento oficial do Ministério da Saúde (MS), entre fevereiro de 2020 até o momento, são mais de 710 mil óbitos e mais de 38 milhões de casos*.
Com a pandemia, os milhares de pacientes que antes faziam seus exames e consultas de maneira regular ficaram, de uma hora para outra, desamparados e com medo. Naquele momento, a área de telemedicina era algo que, além de controverso, tinha pouca aceitação e não existiam regras ou regulações sobre o seu melhor uso e condução. De repente, passou a ser a alternativa para que todo o contingente de pessoas pudesse ter acesso a médicos para que, minimamente, uma conversa e orientação pudessem ocorrer.
Com a aprovação da Lei nº 13.989/2020, o primeiro passo foi o surgimento de plataformas de teleconsultas, que estabeleceram uma maneira de médico e paciente se verem através de uma tela (assim como aconteceu com contatos interpessoais com as videochamadas). Mas com isso, surgiu o segundo problema, que até então não era facilmente percebido: a necessidade de o paciente receber uma receita médica ou um pedido de exames.
Assim, foi dado o salto para o desenvolvimento das plataformas e emissão de receitas e pedidos médicos que em conjunto precisavam de uma validação segura para todos os atores (pacientes, profissionais de saúde e as farmácias). Ainda que um pedaço de papel com um carimbo não se demonstrasse seguro, e ainda não é, fez com que as certificações digitais, que antes estavam restritas a operações comerciais específicas, pudessem ser expandidas para atender esta necessidade e validar de maneira segura e eficaz os documentos que fossem emitidos durante estas consultas digitais.
Com isso, houve uma urgente necessidade de que esta área, que antes carecia de regras específicas, sofresse uma regulamentação pelos órgãos de classe, onde seria esclarecida cada modalidade de atendimento virtual, bem como o que poderia ou não ser feito no âmbito da teleconsulta. Desta forma, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e demais órgãos desenharam as resoluções que regulamentaram a telemedicina e a telessaúde no Brasil e que, ao longo dos anos pós-pandemia, as normas foram refinadas de acordo com os avanços que ocorreram em função da tecnologia.
Entre 2020 e 2021, mais de 7,5 milhões de atendimentos foram realizados, por mais de 52,2 mil médicos, via telemedicina no Brasil. Destes, 87% foram das chamadas primeiras consultas, evitando as famosas idas desnecessárias e permitindo identificar por meio de exames a necessidade de um atendimento em uma unidade hospitalar, segundo dados levantados pela Saúde Digital Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital).
O desenvolvimento da vacina trouxe um alívio para que a vida pudesse voltar ao normal de maneira gradual. Entretanto, a telessaúde tornou-se uma nova arma no cuidado em diferentes cenários: desde idosos com mobilidade reduzida, a pacientes em cuidados paliativos e fases terminais por diversas doenças, passando por atendimento de crianças neurodivergentes.
Há ainda um vasto mundo sendo desbravado, como o uso de cabines de atendimento em empresas, atendimentos de pacientes que desejam um cuidado mais imediato ou aqueles que não podem custear os elevados valores de planos de saúde, bem como para as diversas aplicabilidades no setor público – levando cuidado a áreas remotas (como comunidades indígenas) e atendendo pessoas em programas de saúde da família.
Ainda há limitações no uso da teleconsulta. Porém, com um olhar mais atento, surgem alternativas que aliam tecnologia e segurança – tanto para o médico quanto para o paciente – com o uso de dispositivos como os TytoHome e TytoPro, que são capazes de permitir durante a consulta médica a realização do exame físico, inclusive com possibilidade de escutar sons pulmonares e cardíacos e fazendo com que a consulta se torne ainda mais completa.
Apesar de muitas pessoas terem perdido pessoas próximas e amadas, numa situação trágica que poderia ser enredo de uma série – não podemos negar que também a pandemia acelerou a passos largos o desenvolvimento, regulamentação, implementação e aperfeiçoamento da telessaúde para que, cada vez mais, a distância seja encurtada de maneira segura e eficaz para que muitos possam ter acesso a uma saúde de qualidade.
Fontes:
*https://infoms.saude.gov.br/extensions/covid-19_html/covid-19_html.html
Mais dados:
Um estudo da Sinch descobriu que 43% dos brasileiros usaram a telemedicina durante a pandemia da COVID-19. Essa taxa de adesão foi a terceira maior, ficando atrás apenas da Índia (65%) e dos Estados Unidos (48%).
Durante um período de 24 meses, entre junho de 2021 e maio de 2023, a TopMed monitorou seus atendimentos e identificou um aumento de 50,2% no número de consultas à distância, em todas as regiões brasileiras, com maior concentração no Sul, Sudeste e Nordeste.